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Relatos de Vôos Realizados

Veja aqui os relatos de vôos realizados na região de Brasília,
a partir do Aeródromo de Formosa, sede do APC

 

Vôo de 500 km

12 de outubro de 2002

por José Carlos Ferraz

Até a sexta feita, véspera do vôo, não sabia se poderia voar. Via o tempo cada dia mais maravilhoso, mas havia um problema. Tinha um jogo de duplas de tênis ao meio-dia, no campeonato do Clube de Aeronáutica, e não poderia abandonar meu parceiro. Ele tinha sofrido uma crise de tendinite no jogo anterior e não seria aconselhável jogar, mas a decisão era dele. Mas finalmente ele telefonou dizendo que consultou seu médico, que após alguns testes o proibiu de jogar. Desliguei o telefone feliz com minha derrota por WO!

Planejava bater os recordes de velocidade para 500 km, tanto na classe 15 metros (98 km/h) como na classe aberta (100 km/h). O Júlio também queria tentar, e para não fazermos o mesmo recorde achei melhor optar por percurso de ida e volta, deixando para ele o triângulo FAI. Após lastrear o planador, fiz a declaração de vôo no Filser LX 20, registrando uma rota de ida e volta de 501,1 km. Saída de Formosa, virada em Pireatinga, pouco ao sul de Campo Alegre de Goiás, retorno até Formosa. O Júlio e o Blois tentariam um triângulo de 500 km cuja primeira perna nos levaria juntos até Ponte Alta, 50 km ao sul de Cristalina.

Decolei às 11:27, céu ainda sem qualquer formação de nuvens. O Júlio e o Blois já estavam voando, eu preferi aguardar um pouco mais. Desligamento ao atingir 600 metros sobre o Parque de Exposições de Formosa, entre a pista e a Lagoa Feia. Achei logo uma térmica turbulenta, mas razoavelmente boa, integrando 2,6 m/s, e subi até 1800 metros. Após a subida inicial, explorei alguns pequenos fiapos de condensação que começavam a se formar nas imediações, mas o ciclo de formação estava muito rápido e quando chegava não encontrava térmica. O Blois saiu e o Júlio não conseguia subir perto do ponto de saída da prova dele, ao norte de Formosa.

Abri freios para a saída ao meio-dia (11:59:07), passando sobre o ponto de partida (Hangar de Formosa) a 1276 metros como registrado no barógrafo. O Júlio saiu baixo mesmo e nos encontramos pouco depois. Andamos cerca de 20 km sem encontrar qualquer térmica boa. A quantidade de pequenos fiapos de cúmulos aumentava, mas não se encontrava nada abaixo deles. Acabei sendo forçado a subir numa térmica fraca, perdendo muito tempo. Subi até 1700 metros, para poder continuar até onde cúmulos mais formados despontavam na rota.

Tinha programado andar no mínimo 35 km na primeira meia-hora e, sucessivamente, alterar essa distância mínima para 40, 50, 55, 60, 65, 60, 55, 50 e finalmente 40 km no último período de 30 minutos, para percorrer 500 km em menos de 5 horas. A primeira meia-hora de vôo foi muito lenta, conseguindo andar apenas cerca de 30 km. Mas após entrar na região com cúmulos mais formados, as térmicas melhoraram muito. Passamos a encontrar 3m/s ou mais no meu integrador pessimista. Subindo até cerca de 2200 metros, passei a dispensar térmicas mais fracas e andar mais rápido. Com isso a velocidade foi crescendo. Ao completar a primeira hora estava já cerca de 2 minutos adiantado em relação ao esquema previsto.

As nuvens cresciam e se juntavam mais, e passei a voar quase sem girar. Passava por térmicas estreitas mas fortes, e com isso não perdia altura. Andava cerca de 50 km antes de escolher uma térmica para subir. Pouco depois de Cristalina percebemos que estávamos alcançando o Blois, o que aconteceu logo após Domiciano Ribeiro. O tempo agora estava forte, e ainda voamos juntos até Ponte Alta. Ali nos separamos, Blois e Júlio partindo para Renascença, perto da Fazenda Panambí, eu continuei para o sul, proa de Campo Alegre.

O céu agora mudava bastante, pois após Ponte Alta havia um trecho totalmente azul com cerca de 50 km para ser cruzado. Subi até uns 2300 metros nas últimas nuvens enquanto estudava o problema. Pela direita da rota havia nuvens sobre o vale do Corumbá, mas estavam muito fora da rota. Desliguei o rádio para melhorar a concentração. Um pouso nessa região significaria dois dias de resgate. Percebi que uma "pipoca" branca se formava cerca de 10 km dentro da área azul, e resolvi cruzar direto na sua direção. Pouco antes dessa pipoca encontrei uma térmica meio fraca e subi um pouco. Prossegui e encontrei mais uma térmica no azul, onde novamente subi um pouco. Agora já tinha certeza de alcançar as nuvens do outro lado.

Após longo planeio nesse azul, finalmente cheguei sob a primeira nuvem, mas ela claramente estava se desfazendo e as demais também não estavam muito bonitas, mas pouco antes de Campo Alegre encontrei uma térmica razoável. Apesar da cautela, estava agora com mais folga em relação à minha programação, cerca de 10 minutos adiantado.

Desse ponto em diante foi possível escolher caminhos sob as melhores nuvens, e logo cheguei a Pireatinga, o ponto de virada. Pouco depois do ponto, sob uma nuvem extensa encontrei uma térmica excelente, onde subi integrando quase 4 metros. Para enfrentar o azul da volta fui até a base, 3300 metros. Comecei a voar mais rápido entre térmicas. Para minha grata surpresa, onde antes estava o grande trecho azul, agora muitos cúmulos ofereciam passagem segura, um pouco à direita da rota.

O vôo começava a transformar-se em passeio. Voando conservadoramente a 170 km/h, via no GPS a VS perto de 200 km/h. Perdia alguma altura entre as nuvens, mas tinha altura para ir muito longe sem girar. Após o través de Ponte Alta os cúmulos estavam maiores e aumentei a velocidade. Pouco antes de Cristalina desviei um pouco à esquerda e com isso deixei de passar sob o mais belo cúmulos do dia, que não avistava antes.

Liguei o rádio e ouvi o Júlio se preparando para pousar em Formosa. Fiquei espantado com a velocidade que ele tinha feito, mas depois descobri que ele tinha voltado sem completar porque estava passando mal.

A média aumentava, e já estava cerca de 30 minutos adiantado. Antes da SLC encontrei uma ótima térmica e resolvi subir bastante, já que pelo computador de planeio do Filser isso era interessante. Pouco antes de entrar no planeio abandonei a térmica que estava mais fraca e prossegui. Logo adiante me arrependi de ter subido tanto, pois encontrei uma térmica ainda melhor e colei na base sem girar.

O planeio final foi longo e tranqüilo, com a velocidade aumentando junto com a reserva de altura. Já estava mais de 40 minutos adiantado e a tendência era adiantar ainda mais, pois tinha imaginado um planeio final em condições bem fracas. Não podia passar baixo, tinha que compensar a altura inicial. Julgava ter passado a 1250 metros sobre a linha de saída, e por segurança queria cruzar a linha com pelo menos 400 metros. Mas a rota estava tão boa que era difícil perder altura, por mais rápido que voasse a reserva ainda aumentava. A preocupação com as cargas estruturais no planador também aumentava, pois ainda havia muita turbulência térmica. Com uma nuvem bem formada praticamente sobre a linha de chegada, achei melhor reduzir um pouco antes de largar as asas. Planejava fazer a rota em pouco menos de 5 horas, consegui em 4:10. Mas com um dia assim realmente fica fácil!

Verificando depois vi que na ida tinha feito apenas 104 km/h de média, resultado do início fraco e complicado e também de excessiva cautela ao cruzar o azul. Mas nos 250 km de volta, com mais altura, caminho balizado e planeio final, a média foi de 140 km/h. Analisando posteriormente, ficou claro que deveria ter saído 10 ou 15 minutos mais tarde, e mais alto para evitar problemas na saída, que é sobre uma região complicada. Isso indica que existe margem para melhorar muito a performance, desde que a meteorologia ajude.

José Carlos Ferraz

Jantar CC